O Sentido da Existência Humana, de Edward O. Wilson
- Título: O Sentido da Existência Humana
- Autor: Edward O. Wilson
- Páginas: 168
- Editora: Companhia das Letras
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por Vitor Campanha*
A primeira vez que você olha para este título – O Sentido da Existência Humana – tem a impressão de que se trata de algo pretensioso demais para ser explorado em 168 páginas.
Afinal de contas, essa é “A” pergunta desde tempos imemoriais. Os diversos sistemas religiosos e filosóficos sempre tentaram decifrá-la, por vezes oferecendo respostas ou até mesmo mais perguntas…
Mas engana-se quem pensa que esta é uma obra das assim chamadas humanidades. O autor é Edward O. Wilson, um renomado biólogo que trabalha como professor na Universidade de Harvard por quase 50 anos.
Wilson já ganhou diversos prêmios, tanto no meio acadêmico no qual atua como por suas obras, que exploram as relações entre a evolução biológica e as formas de sociabilidade humana.
Só pelos livros, ele já levou pra casa 2 prêmios Pulitzer de melhor livro de não-ficção. O biólogo recebeu a honraria por:
- On Human Nature, em 1979
- The Ants, em 1991
Em The Meaning of Human Existence – O Sentido da Existência Humana, traduzido por Érico Assis para a Companhia das Letras, Wilson retorna com sua boa escrita para popularizar as explicações sobre teorias científicas.
Assim como sempre fez brilhantemente o físico Stephen Hawking, trata-se de uma forma de tornar mais simples a compreensão de conceitos muitas vezes restritos ao meio acadêmico das ciências exatas e naturais.
Dessa forma, até mesmo quem não está habituado com a área em questão pode entende-la um pouco melhor.
Você vai ver neste post:
Parte 1 – O sentido da existência humana: humanos, formigas e crustáceos
Um ponto chave de O Sentido da Existência Humana é a compreensão do que Wilson teoriza como seleção de grupo.
Todos já ouvimos falar da teoria da evolução, de Charles Darwin… É por meio dela que determinados genes, em um nível individual, são selecionados para expressarem adaptações necessárias ao meio. Essa seleção individual é movida pela competição do indivíduo dentro de um grupo.
Mas Wilson, assim como outros biólogos, defende que existe também uma seleção de grupo. Isso significa que além da seleção natural “individual” os diversos grupos competem ou cooperam entre si.
Diferentes grupos humanos poderiam competir por recursos naturais e caça, por exemplo, algo passível até de escalar para conflitos violentos, como as guerras que remontam aos primórdios da civilização e infelizmente persistem até hoje.
Por outro lado, os grupos podem também cooperar entre si para alcançar seus objetivos de forma mais fácil ou eficaz – assim como os indivíduos cooperam dentro de um mesmo grupo para o sucesso do mesmo.
Esse conjunto de seleções – a seleção individual e a de grupo – formam o que o biólogo chama de “seleção multinível”. Juntas, elas influenciaram tanto a biologia humana quanto o comportamento social, este último um ponto sensível com relação às ciências humanas.
A seleção de grupo foi, nos dizeres do autor, uma vantagem dos humanos. Com o tempo, eles aprenderam como funciona cada membro de seu grupo, com suas qualidades e fraqueza, e como seu potencial poderia ser utilizado. Essa união seria importante na competição ou cooperação inter e entre grupos.
As raízes desse sistema estão no princípio da história humana, quando certos primatas começaram a modificar sua dieta e comer carne. Eles notaram, então, que seria mais produtivo montar um acampamento de onde seriam enviados caçadores para conseguir o alimento.
Mostrou-se vantajoso ainda que enquanto alguns desempenhassem esse papel, outros cuidassem do “ninho”. Assim, surgiam as diferentes funções sociais e teve início a evolução humana.
Além de nós, poucas espécies são eussociais, ou seja, espécies que cooperam na criação dos filhotes e jovens e definem diferentes funções para seus integrantes.
Entram nessa lista as formigas, alguns crustáceos marinhos e roedores subterrâneos. Todos com sucesso de desenvolvimento em seus habitats.
Essas ideias resumem basicamente a primeira parte do livro – “Por que existimos” – e dão base para o restante da obra, não menos interessante.
Parte 2 – A unidade do conhecimento
Na segunda parte de O Sentido da Existência Humana, Edward O. Wilson argumenta que uma vez que se saiba que o comportamento social humano tem também origens na evolução da espécie – sendo, consequentemente, influenciado também pela biologia humana – as relações entre as humanidades e a ciência natural deveriam ser mais estudadas.
O autor chega a advogar um “novo iluminismo” que, unindo mais as disciplinas, poderia dar conta de resolver vários problemas enfrentados pela humanidade – algo que também soaria pretensioso, não fosse pelo adendo, feito pelo próprio Wilson, de que esta seria uma tarefa muito difícil.
De certa forma, o argumento do autor vai na mesma direção de alguns nomes das humanidades em sua busca por novas formas de compreensão que possam superar dicotomias como natureza / sociedade, seres humanos / meio ambiente.
Esta é uma discussão que, de certa forma, lembra os debates levantados pelo antropólogo britânico Tim Ingold em seus livros. Ingold sugere que para uma melhor compreensão da atividade humana e essa superação de dicotomias deve-se levar em conta os fluxos de matérias nos quais o ser humano está envolvido.
Sob esse ponto de vista, uma cadeira, por exemplo, significa uma parte do fluxo da madeira, que anteriormente era uma árvore e posteriormente poderia se transformar em carvão – lembrando-se, ainda, que esses processos são intermediados pelos humanos.
Assim, humanos e não-humanos trafegariam no mesmo fluxo incessante de materiais, formando uma “malha da vida”.
Outro teórico que merece ser citado na discussão é o sociólogo francês Bruno Latour, criador da Teoria do Ator-Rede, na qual os atores, sejam eles humanos ou não, influenciam uns aos outros pelas suas constantes relações.
Parte 3 – Outros mundos
Na terceira parte de O Sentido da Existência Humana, Wilson faz o que muitas pessoas com certeza vão adorar – em especial aqueles entusiastas dos OVNIs e extraterrestres.
Mas não pense você que ele é um dos adeptos dessas teorias. O que o biólogo faz, na verdade, é conjecturar sobre como seriam os habitantes de outros planetas, segundo os moldes biológicos que conhecemos.
No capítulo “Um retrato do ET”, por exemplo, o autor explora as possibilidades de outra espécie alcançar os mesmos feitos dos humanos no aspecto evolutivo.
Eles deveriam, por exemplo:
- Ser seres biologicamente audiovisuais
- Viver em terra firme
- Ser relativamente grandes em comparação aos outros animais do planeta de origem
- Ter desenvolvido alguma noção de moral
- Ter inteligência social
- Ter uma cabeça grande o suficiente para abrigar um cérebro com bastante espaço para bancos de memória
Como podemos ver, trata-se de uma descrição de todos nós. Na verdade, o que o biólogo faz é apresentar as principais características do sucesso evolutivo dos seres humanos.
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Para que outra espécie, em qualquer lugar do cosmos, chegue ao mesmo estágio que o nosso, seria necessário obedecer a todas essas especificidades. Convenhamos, essa é uma forma muito interessante de prender o leitor e se expor uma teoria de forma fácil e direta.
Eis um dos motivos que levaram Wilson aos merecidos prêmios Pulitzer.
Parte 4 – Ídolos da mente
A parte 4 de O Sentido da Existência Humana pode ser considerada polêmica. Nela, o autor comenta sobre o instinto, o livre-arbítrio e a religião. Para isso, apresenta o cérebro humano como um instrumento que opera tanto com a razão quanto com a emoção.
Aqui, provavelmente se encontrará um ponto de tensão com as humanidades. Para Wilson, a “natureza humana” existe “nas estruturas do cérebro”. Ela seria:
“o conjunto de regularidades hereditárias no desenvolvimento mental que a evolução cultural predispõe com um sentido em vez de outros, e assim conecta genes à cultura no cérebro de toda pessoa”.
Assim, quanto mais antigo um traço cultural, como a música, maior a probabilidade dela se tornar sim, um instinto básico presente em todos os seres da espécie e causar efeitos emocionais.
O autor também explicar que o livre arbítrio de fato existe, mas em um sentido operacional – algo melhor compreendido quando se lê todo o raciocínio e a exposição do capítulo.
Parte 5 de O Sentido da Existência Humana – Livres e sozinhos no universo
Na quinta e última parte do livro, Edward O. Wilson resume no capítulo final as condições para que os seres humanos evoluíssem até o atual estágio.
Em seu ponto de vista, enquanto as humanidades descrevem a condição humana, as ciências naturais explicam onde a espécie se encaixa no universo e porque ela é da forma que é.
O sentido da existência humana na visão do autor, por fim, está diretamente ligado a essas descobertas científicas.
Tentar explicar aqui de forma pormenorizada o que Wilson acredita ser esse sentido seria infrutífero. A melhor maneira de compreender o ponto do autor é aproveitar a obra, de leitura fácil e breve.
Por fim, para Wilson, a humanidade chegou a um ponto onde deve decidir sobre o seu futuro. Em um momento no qual muito se pensa sobre edição genética e incorporação de tecnologias no corpo humano, o biólogo defende que protejamos nossa pureza biológica – uma herança dos milênios de evolução. Ainda assim, sempre resta a pergunta: o que vem a seguir?
*Vitor Campanha é jornalista, redator e idealizador do Escrever e Ler. Possui Mestrado em Ciência da Religião pela Universidade Federal de Juiz de Fora e atualmente cursa o Doutorado, também em Ciência da Religião, na mesma instituição.