Pipoca

Certo dia, o aplicativo me deu uma daquelas notícias chatinhas de ler quando você é pedestre e está chovendo: o ônibus ia demorar 40 minutos para passar. Estava lá no ponto, mandando mensagens chateadas para o marido, difamando a infraestrutura de trânsito da cidade. Afinal, basta cair uma gota do céu para quilômetros de espera. Até que avistei, em uma esquina, a carrocinha da pipoca.

Fazia tempo que eu vinha cobiçando um pacotinho, mas sempre deixava para depois – ou o ônibus já ia chegar. Dessa vez, era diferente. Não tinha como perder o transporte, mas o mau humor já estava na guilhotina. Ainda pensei três vezes, mas fui. Atravessei a rua. “Moço, me dá um pacote de R$ 2, por favor.” Mesmo sem ser católica, estava quase pedindo a anjos e santos pela boa vontade do queijinho extra – que não veio. Mas vida que segue.

Aquela pipoca foi minha melhor decisão no dia. O consumo durou cerca de 10 minutos. Cada quantia que eu colocava na boca correspondia a uma observação de meu entorno: “Olha ali a moça no celular enquanto dirige… Hmm o queijinho podia estar melhor… Por que esta senhora colocou a sombrinha aberta no chão e de cabeça pra baixo?! Ah sim, foi pegar o celular… ‘Vai se molhar, dona!’… Tá acabando o queijinho… Por que tem tanta gente na frente do lixo do ponto? Quando eu acabar aqui, não vai ter como jogar fora o papel… É o último queijinho…”.

Acabou. Passei então mais 10 minutos na trabalhosa retirada dos vestígios que ficam nos dentes. Mais observações, olhadas no relógio. Ao acabar a discreta faxina bucal, não tive escolha senão pedir para um daqueles que estavam em frente ao lixo que jogasse o papel fora para mim. Enquanto isso, o sal na boca, em uma engenhosa metáfora de minha paciência, finalmente ia se esvaindo.

Passados cinco minutos, eis que surgiu o ônibus. E eu, com o coração na pipoca, no queijinho, na observação cotidiana e, como não, na paciência (ou falta dela), só pude exclamar, remetendo-me aos santos, aos anjos e a toda religião que assumimos quando o assunto é o ônibus nosso de cada dia: “Deus é pai!”.

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