Ana
Pegávamos o mesmo ônibus todos os dias. Eu desenvolvi a estratégica mania de sempre me sentar no mesmo banco, próximo à porta do meio. Isso porque, muitas vezes, o motorista se esquece de abri-la quando alguém dá o sinal e, só de pensar em gritar ônibus afora “Moço, abre pra mim!”, já me sinto constrangida. A porta do meio é do lado do trocador. Se ela não abrir, é só falar com ele. Pronto. Problema resolvido, mania instaurada.
Pois bem, nessas de me sentar sempre que possível no mesmo banco, comecei a ter a companhia de uma mulher, já na casa dos 50 anos, mas daquelas de rosto amistoso. Sou muito observadora e, quando vejo alguém lendo, isso piora. A mulher lia sempre. O livro tinha uma capa marrom que logo descobri ser uma capa protetora onde ela colocava a leitura da vez.
O primeiro que eu a vi lendo eram os anais de um congresso sobre Espiritismo. A curiosidade aguçada se contentou em observar de rabo de olho. Passou o tempo, mudou o livro. Outro espírita! Dessa vez, algum do Chico, não me lembro bem. A vontade de perguntar “Oi, você é espírita? Eu também!” sempre era silenciada pelo respeito à leitura alheia.
Passei a dar bom-dia a ela na fila do ônibus. Quando o motorista atrasava, estabelecia conversas triviais, geralmente reclamando dos minutos que eu teria que pagar no trabalho. Ela contou onde sempre descia. Eu saltava antes, despedindo-me. Não sabia o nome dela.
Um dia, um colega de empresa pegou o mesmo ônibus, e fomos conversando durante o caminho. Ao chegar em nosso ponto, desci e percebi, já na rua, que não havia me despedido da companheira de trajeto. Combinei comigo mesma de me desculpar da próxima vez e, sim, perguntar o seu nome.
Dois dias depois, encontrei com ela na fila. “Bom-dia!”. Sentei no meu lugar cativo, ela ao meu lado. Não hesitei.
– Desculpe aquele dia em que não me despedi. Fiquei conversando e me distraí.
– Imagina, que isso! É assim mesmo!
– Pois é… Como você se chama?
– Eu me chamo Ana!
– Oi, Ana, eu sou a Paloma!
– Oi, Paloma! Não vou me esquecer do seu nome, pois tenho uma colega de trabalho que também se chama Paloma.
Trocamos sorrisos. Pensei em reclamar do motorista, que resolveu ficar dez minutos no celular, atrasando a todos nós. Mas, principalmente, pensei em contar que, dali a quatro meses, eu me casaria e não pegaria mais aquele ônibus. Começava a sentir a agonia dos que conhecem uma pessoa em uma viagem e sabem que nunca mais a verão (como aquela moça que era taxista na Bolívia, a Lourdes. Como será que ela está?).
Não tive chance de falar. Ana logo abriu sua bolsa, pegou a capa protetora marrom e continuou a leitura. Cheguei ao meu destino, mas, dessa vez, a despedida foi completa.
– Tchau, Ana, até amanhã!
– Até amanhã!